DIREITO DE RESISTÊNCIA DO CARTEIRO - Parte 3

O DIREITO DE RESISTÊNCIA DO CARTEIRO FRENTE ÀS ATIVIDADES POSTAIS DE RISCO


3 - OS CARTEIROS E AS ÁREAS DE RISCO


Já se foi o tempo em que o carteiro entregava cartas, cartões postais ou telegramas. Com o aumento do número de entrega de encomendas, devido à facilitação do comércio eletrônico e os contratos com a ECT, mercadorias valiosas despertaram o interesse de criminosos, que passaram a roubar os carteiros – vítimas fáceis para a concretização de seus objetivos.


Embora a atividade-fim da ECT não envolva risco inerente, a empresa tem dado ordens aos trabalhadores, carteiros, para eles efetuarem a entrega de encomendas de alto valor agregado e em regiões com elevados índices de violência urbana, tornando a profissão extremamente perigosa.

Resultado disso, os empregados têm sofrido violência moral e física de todas as espécies, desde sequestros, humilhações com a arma do bandido na cabeça, agressões e ameaças de morte caso exista o registro da ocorrência na delegacia de polícia, etc. Ou seja, com o aprimoramento dos serviços oferecidos pela ECT a terceiros, ela não cuidou de implementar condições seguras de trabalho a seus servidores.

Embora a responsabilidade da segurança pública seja do Estado, o empregador deve ser responsabilizado quando não fornece um ambiente de trabalho seguro a seus empregados. É dizer: a ECT deve adotar medidas de segurança que implique em obstáculos à ação dos meliantes e que acima de tudo proteja a integridade física dos trabalhadores.

O assalto à mão armada no transporte de encomendas dos Correios deixou de se revestir dos atributos de imprevisibilidade e inevitabilidade, por conta da habitualidade de sua ocorrência. Há casos de trabalhadores terem mais de 30 BOs e CATs registrados em menos de 2 anos. Sendo previsível, o empregador deve se precaver contra tais riscos.

O princípio da Precaução, abrangendo a saúde pública, foi estabelecido em uma reunião em janeiro de 1998 em Wingspread (Racine/Wiscosin/EUA), com a participação de cientistas, advogados, legisladores e ambientalistas, que assim determina:

Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito ainda não estejam estabelecidas cientificamente.

Não há dúvidas que os agravos à saúde relacionados ao trabalho são plenamente evitáveis. Nesse sentido, os Correios devem adotar medidas preventivas, conforme ressalta o Médico do Trabalho do SINTECT-SP, o Doutor Drumond:

O controle das situações e condições de trabalho que afetam a saúde dos trabalhadores, além de reduzir um sofrimento humano desnecessário, preservar um patrimônio social e econômico fundamental que é a força de trabalho, ensejará uma economia substantiva para as famílias dos trabalhadores, para os empregadores, para a previdência social, para os serviços médicos em geral e para o próprio SUS, que é demandado por procedimentos em todos os níveis de complexidade.

E caso não exista a precaução e prevenção necessárias por parte da empresa, deve a ECT criar mecanismos para a devida operacionalização de suas atividades empresariais, com vistas a não por em risco a integridade física ou psíquica dos carteiros. Caso o trabalhador seja lesado, deverá ele ser indenizado:

Implica igualmente dano moral por violação à integridade física ou psíquica do empregado o empregador que permite que o empregado transporte valores sem a proteção adequada, ou transporte em veículo desprovido de segurança. Esse comportamento patronal põe em risco a integridade física e a vida do trabalhador.

A Portaria n° 567, de 29 de dezembro de 2011 do Ministério das Comunicações trata da entrega de objetos dos serviços postais básicos, pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, no território nacional. Destacam-se os seguintes artigos:

Art. 2º. A ECT deverá realizar a entrega externa em domicílio nas localidades, sempre que atendidas as seguintes condições:
III - as vias e os logradouros ofereçam condições de acesso e de segurança ao empregado postal;

Art. 4º. A entrega interna do objeto postal somente será realizada em unidade da ECT, quando:
I - as condições definidas nos artigos e desta Portaria não forem integralmente satisfeitas;

Não bastasse a portaria supracitada, a ECT já incorporou este procedimento em suas normas internas:

TERMO E CONDIÇÕES DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO SEDEX


8.2. Entrega Interna

8.2.1. Poderá ocorrer entrega na Agência de Correios mais próxima do endereço do DESTINATÁRIO, quando se tratar de:

d. Objeto endereçado à área de difícil acesso, proibida ou de risco ao carteiro.

14. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Se houver conflito entre as regras constantes no presente TERMO e os interesses do cliente, prevalecerão, respectivamente, em ordem de prioridade, o Contrato de Prestação de Serviços e as Normas internas da ECT.

TERMO E CONDIÇÕES DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PAC


10. ENTREGA

10.1. Entrega Externa

10.1.2. Onde não houver viabilidade operacional ou em área rural ou área de risco, a entrega será realizada exclusivamente na agência mais próxima do endereço do destinatário.

10.2. Entrega Interna

10.2.1. Poderá ocorrer entrega interna na Agência dos Correios mais próxima do endereço do destinatário, quando se tratar de:

c. Objeto endereçado a localidade de acesso difícil, proibido ou área de risco ao carteiro;

Como se nota, a ECT já possui um procedimento a ser adotado, que é a entrega interna dos objetos portais, nas situações em que exista o risco ao carteiro. Evitar a entrega externa em áreas perigosas, além de ser um direito do carteiro, é também um dever, conforme se extrai do regulamento interno da ECT, o MANDIS:

MANUAL DE DISTRIBUIÇÃO E COLETA


MÓDULO 10: ENTREGA EXTERNA

CAPÍTULO 4: ENTREGA DE ENCOMENDAS EM DOMICÍLIO

4 - GENERALIDADES

4.2 O Carteiro deve apresentar postura preventiva (observação do ambiente, alteração do cotidiano, posturas e atitudes suspeitas e terrenos perigosos ou acidentados, etc), objetivando manter a sua
integridade física.

Assim, diante de uma situação em que exista o risco na entrega externa em determinada localidade, deve o carteiro comunicar ao seu superior hierárquico (supervisor, gerente, etc.) sobre o fato, para que seja adotado algum meio eficaz que se evite o dano a ele, como a adoção de escoltas armadas, entrega interna, dentre outros meios.

Registre-se que alguns meios utilizados pela ECT, como o Gerenciamento de Risco (GR1), se mostraram falhos, já que nesse sistema embora as portas dos veículos fossem travadas protegendo os objetos postais, elas não protegiam os carteiros das agressões físicas e psicológicas dos bandidos, que em alguns casos os sequestraram, roubaram seus uniformes, dentre outros tipos de violência, que configuram acidente de trabalho.

Sendo assim, caso a empresa não tome nenhuma atitude eficaz que de fato proteja a integridade dos carteiros, simplesmente ordenando a execução dos serviços nas localidades perigosas, o trabalhador poderá exercer o seu direito de resistência, não devendo ser considerado uma desobediência:

Evidentemente, o dever de obediência diz respeito às ordens lícitas, emanadas de quem esteja legitimado a fazê-lo, não contrárias à saúde, à vida ou à dignidade do trabalhador, quando então a recusa ao seu cumprimento é legítima. Assim, está o empregado desobrigado de cumprir ordens capazes de gerar grave e iminente perigo à sua saúde ou as que o exponham a situações indignas e vexatórias.

Portanto, diante de tudo quanto foi exposto, deve o trabalhador utiliza-se do direito de resistência, este uma garantia fundamental das mais importantes. O direito de resistência tem como oposto a submissão, que é sinônima de dignidade perdida.

CONCLUSÃO


Este artigo procurou evidenciar que por diversas vezes o empregador submete o empregado a um perigo alheio às condições normais de trabalho, o chamado mal considerável, que foi exemplificado no caso dos carteiros dos Correios, que têm sido vitimados com a violência diária física e psicológica.

Tal fato lamentável pode ser evitado pela ECT, bastando fornecer número suficiente de escolta armada para as áreas de risco e/ou outro meio eficaz ou até mesmo extinguindo temporariamente a entrega externa nessas localidades e adotando forma alternativa de entrega ao cliente.

A incessante busca por parte do empregador pelo lucro empresarial, objetivando-se cada vez mais um aumento na lucratividade, acaba por vezes desrespeitando os limites ao exercício do seu poder diretivo, especificamente do jus variandi. Nesse sentido, o comportamento abusivo e ilegal da empresa deve ser repreendido.

Foi demonstrado aqui que limitar o jus variandi da empresa pelo direito de resistência do trabalhador não significa necessariamente cercear o poder diretivo patronal. Busca-se, com isso, garantir uma proteção mínima ao trabalhador, com vistas a conservar o ambiente de trabalho transformando num local harmônico, o que incentiva a produtividade, sendo bom para ambas as partes.

O trabalhador também tem interesse em contribuir para o sucesso da empresa. Há uma tendência em integrar o trabalhador na vida e no desenvolvimento empresarial, por meio da aproximação entre capital e trabalho. O carteiro que oportunamente se recusa a entregar objeto postal em área de risco, com histórico de diversos roubos, está na verdade defendendo o patrimônio da empresa, que é a efetiva entrega dos objetos postais ao cliente.

Por fim, como proposta, deve o Sindicato dos Trabalhadores dos Correios negociar com a ECT, estabelecendo termos com condições mais favoráveis a estes trabalhadores que laboram nas localidades mais perigosas.

Deve orientar os carteiros sobre seus direitos, seja para mudança da entrega externa para a interna, seja para, se for o caso, exercer o seu legítimo direto de resistência.

Fim da Parte 3

Leia a Parte 1

Leia a Parte 2

Fabrício Máximo Ramalho
Dirigente Sindical
Advogado
Pós-Graduando em Direito e Processo do Trabalho


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: LTr, 2011.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34ª ed. atualizada. São Paulo: Saraiva, 2009.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012.
MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do Trabalho. 11ª edição, vol. I. São Paulo: LTr, 1993.
MOURA NETO, Francisco Drumond Marcondes de. Saúde e trabalho nos correios. 1ª ed. São Paulo: Red Editorial, 2014.
ROMITA, Arion Sayão. Alteração Contratual. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1978.
SAAD, Eduardo Gabriel Saad. CLT Comentada. 37ª Ed. São Paulo: LTr, 2004.
VIANA, Marcio Tulio. Direito de Resistência: possibilidades de autodefesa do empregado. Sao Paulo: LTr, 1996.


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