Nos últimos dias, circula entre os trabalhadores dos Correios uma apresentação institucional defendendo a implementação da jornada de trabalho 12x36 — 12 horas de trabalho seguidas por 36 horas de descanso. O documento promete ganhos de produtividade, eficiência e até qualidade de vida. Mas, na prática, esse modelo esconde uma série de riscos à saúde, à segurança e à dignidade dos ecetistas.
1. “Base legal” não é sinônimo de justiça
A empresa cita o artigo 59-A da CLT, incluído pela Reforma Trabalhista de 2017, como amparo legal. Mas uma lei não se torna justa apenas por existir. No caso dos Correios, em que o trabalho é físico, intenso e muitas vezes sob condições climáticas adversas, 12 horas seguidas é um atentado à saúde.
A jornada de 8 horas diárias e 44 semanais existe para proteger o trabalhador da exploração, não para atender à pressa do mercado logístico.
2. “Flexibilidade” que só serve à empresa
O discurso fala em “flexibilidade operacional” e “ajustes de escala”. Mas, na prática, essa flexibilidade não é negociada: é imposta. Isso significa que o trabalhador pode ter seus horários alterados conforme a necessidade da empresa, sem previsibilidade nem estabilidade, o que prejudica o convívio familiar e o descanso adequado.
3. A exaustão em nome da “eficiência”
Trabalhar 12 horas nas ruas, pilotando moto ou bicicleta, sob sol e chuva, é desumano. Pesquisas da Fiocruz e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) comprovam que jornadas longas elevam o risco de:
- Acidentes de trajeto e lesões musculares,
- Hipertensão e fadiga crônica,
- Problemas de sono e estresse.
A “modernização” vendida pelo documento ignora o custo humano da fadiga e da sobrecarga.
4. A matemática que não fecha
O material promete “manutenção de benefícios” e até “mais dias livres”. Mas esconde que a jornada reduz a média mensal de trabalho para 169 horas e elimina o TFS, um adicional que ajudava a compensar o esforço da rotina intensa. Ou seja, o salário nominal pode ser mantido, mas o poder de compra real cai.
E os “dias livres” não representam descanso real — servem apenas para o corpo se recuperar da exaustão do turno anterior.
5. Modernizar sem ouvir o trabalhador é retroceder
Nenhum trecho da apresentação menciona negociação com os sindicatos. Toda alteração de jornada precisa ser debatida e formalizada em Acordo Coletivo, garantindo segurança jurídica e respeito à vontade da categoria. Impor o modelo 12x36 sem diálogo fere a tradição sindical dos Correios e abre precedente perigoso para outras mudanças unilaterais.
6. O discurso de “competitividade” é uma armadilha
A empresa justifica a mudança dizendo que “os operadores privados já adotam turnos estendidos”. Mas os Correios são uma empresa pública, com compromisso social — não um operador privado guiado apenas por lucro. Imitar o setor privado nesse aspecto é abrir caminho para precarização e terceirização velada, o que fere a essência do serviço público postal.
modernizar, sim — explorar, jamais
A jornada 12x36 pode parecer moderna, mas é um retrocesso mascarado de inovação. Modernizar os Correios deve significar:
- Investir em tecnologia e ergonomia,
- Ampliar o efetivo de trabalhadores,
- Valorizar o diálogo sindical e a segurança no trabalho.
Nenhuma planilha de eficiência justifica o cansaço e o adoecimento de quem garante o funcionamento da maior empresa pública de logística da América Latina.
Modernizar não é estender o turno. É valorizar quem faz o trabalho acontecer.

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